quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ciclos

Há um ano começávamos as entrevistas para o nosso TCC. Hoje relembramos alguns desses momentos com nostalgia e orgulho pelo livro pronto. Muitos dos jornalistas perfilados viraram amigos, reais ou virtuais pelas  redes sociais, como o facebook, por exemplo. 

A foto abaixo (originária do facebook da Paula C. Ferraz) registra um encontro desses jornalistas cobrindo o festival de Cannes de 2012, entre eles estão os nossos perfilados: Mariane Morisawa, enviada especial do IG e Rodrigo Salem, jornalista da Folha de S. Paulo.



Mariane Morisawa, Neuza Barbosa, Rodrigo Salem, Ana Paula Sousa e Paula C. Ferraz 
 (Foto de Paula C. Ferraz)


Vida de jornalista é dura, mas pode ter alguns momentos felizes em ambientes glamurosos...

As Autoras

sábado, 12 de maio de 2012

Novidades

Nosso projeto foi inscrito no Intercom Sudeste 2012, agora é esperar a comunicação do aceite que será dia 31/05/2012.


Estamos felizes, pois nosso objetivo com o livro sempre foi levá-lo a um público maior que as dimensões da nossa faculdade. O Intercom Sudeste 2012 será em Ouro Preto de 28 a 30 de junho.

O foco do nosso livro é mostrar como trabalha a crítica de cinema no Brasil e sua função como formadora de opinião para a sociedade além de uma boa leitura para os apaixonados por cinema.

Graças a esta experiência crescemos e olhamos para a profissão que escolhemos com muito mais satisfação.  Esperamos que esta obra atinja todos aqueles que admiram a sétima arte e que gostam de refletir sobre as nuances do cinema.

Mais que um livro, um registro de boas histórias sobre a crítica de cinema no Brasil atualmente.

As Autoras

sábado, 14 de janeiro de 2012

"Muito cinema para poucos", por Christian Petermann

Texto escrito por Christian Petermann e publicado no Portal Vírgula em 11/12/2009: 

Ao final desta década de 2000, é  possível enxergar inúmeros aspectos positivos no quadro geral do cinema brasileiro. O principal deles é a intensa produção de filmes, que resultou, nos últimos três anos (2009 inclusive), no lançamento de cerca de 70 filmes/ano, um número expressivo e que se compara aos tempos áureos do nosso cinema, os anos 1970, no ápice comercial da pornochanchada e da Embrafilme, o departamento produtor e regulador do audiovisual durante a ditadura militar. 

Além da quantidade, o que chama a atenção é também a grande variedade estética e temática dos títulos oferecidos, que nunca antes, na história deste país, esteve tão plural.

É revigorante verificar que entre os muitos longas-metragens concluídos década afora, há comédias populares (tipo os dois Se Eu Fosse Você), dramas sociais (Carandiru e Os Doze Trabalhos, entre muitos), obras autorais (os filmes de Beto Brant e Sergio Bianchi, por exemplo), biografias musicais (Cazuza – O Tempo não Pára e Dois Filhos de Francisco), animações (Garoto Cósmico e O Grilo Feliz e os Insetos Gigantes), policiais (do indie Vingança ao mega Bellini e a Esfinge), terror (Encarnação do Demônio), teatro filmado (Tempos de Paz), e isso ficando apenas no campo da ficção.



Se começarmos a falar de documentários, torna-se obrigatório tratar do boom desse segmento, motivado em especial pela acessibilidade da produção digital. Nunca se realizaram no país tantos docs e sobre tão variados temas. Fazendo uma rápida panorâmica, é fácil apontar dois temas predominantes entre esses filmes factuais: os recortes sócio-político e musical. De um lado, obras sobre a realidade dos que vivem à margem da sociedade (comoEstamira, de Marcos Prado, e Justiça, de XXX) ou importantes resgates históricos (como Cidadão Boilesen, de Chaim Litowski, em cartaz em São Paulo). De outro, inúmeros docs sobre a música de ontem e de hoje, biografados como Paulo Vanzolini, as cantoras do rádio, a Velha Guarda da Portela, os Titãs, Arnaldo “Loki” Baptista, Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Herbert Vianna e Wilson Simonal, entre muitos. As várias faces da música brasileira começam a se espelhar nas telonas.

Posto isso, poderia se imaginar que tudo são rosas na indústria audiovisual brasileira. Afinal, privilegiado é o país que tem tamanha diversificação em seu cinema, não? Mas agora se impõe uma pergunta: alguém por acaso sequer percebeu que foram lançados cerca de 70 filmes/ano nas últimas temporadas? Aliás, quantos de fato viram uma mínima parte destes filmes? Excetuando-se os longas que têm maior ou menor investimento da Globo Filmes (e que com isso ganham até divulgação em telenovelas), a gigantesca maioria das estreias passa em brancas nuvens, sem a mídia especializada sequer ter tempo e espaço de as explorar. 

Para cada Se Eu Fosse Você ou A Mulher Invisível, comédias de grande sucesso com espectadores acima da casa dos 2 milhões, há pelo menos uma dezena de filmes que mal fazem mil, talvez dois mil espectadores. Este número, num país do porte demográfico como o Brasil, ultrapassa o nível da piada de mau gosto.

Temos um sério problema de distribuição. Em mercado naturalmente dominado por Hollywood, é difícil a produção nacional garimpar espaço no limitado circuito exibidor, formado principalmente por multiplexes localizados nas maiores cidades – é inaceitável a quantidade de municípios de pequeno e médio porte que sequer tem uma sala de cinema!!! Além disso, boa parte destes “filmes desconhecidos” do grande público é exibida apenas em salas específicas e em poucos horários, dificultando o acesso. E isto sem falar que o cinema há muito deixou de ser uma diversão barata, e os ingressos cobrados são mirabolantes para a realidade brasileira.

Neste quadro, pode-se afirmar que o cinema brasileiro aos poucos reconquista certo respeito no circuito internacional de festivais e que menos gente hoje tem preconceito cego com a nossa produção. A grande maioria dos cidadãos, porém, não tem o menor acesso aos filmes e muitas vezes sequer sabe de sua própria existência. De que adianta muito produzir, se esta produção em geral não chega ao espectador final? Faz-se muito cinema para poucos. A continuar assim, morre-se de novo na praia. 



Christian Petermann
jornalista e crítico de cinema do programa Todo Seu da TV Gazeta.

"Estreia de "O Senhor dos Anéis" completa dez anos; conheça o legado da franquia", por Roberto Sadovski

Texto escrito por Roberto Sadovski e publicado no Portal UOL em 01/01/2012: 

Há dez anos, o Brasil juntou-se a outros países na busca pelo Anel do Poder: em 1º de janeiro de 2002, "O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel" chegou aos cinemas do país, trazendo um sopro vigoroso de ação, fantasia e tecnologia, tudo embalado no filme dirigido pelo neozelandês Peter Jackson. Em cartaz no Hemisfério Norte desde 19 de dezembro de 2001, a aventura épica quebrava recordes e estabelecia novos paradigmas para a indústria, marcas que se refletem até hoje no cinemão.

O legado da jornada de Frodo Baggins e seus companheiros para destruir o Um Anel nas chamas da Montanha da Perdição pode ser sentido até hoje na maneira em que Hollywood em particular – e o cinema de entretenimento em geral – lida com suas grandes franquias. 






Roberto Sadovski,
jornalista já foi crítico de cinema e editor chefe da revista SET e atualmente colabora para o programa Hoje Em Dia da TV Record.

"Amor Sem Escalas (Up in the Air), de Jason Reitman (EUA, 2009)", por Fabio Camarneiro

Texto escrito por Fabio Diaz Camarneiro e publicado na revista Cinética em fevereiro de 2010:

A ditadura da eficiência


Para bom entendedor, a abertura de Amor Sem Escalas diz muito: os créditos do filme surgem sobre imagens de várias regiões dos EUA vistas do alto, do ponto de vista de uma aeronave, ao som de “This land is your land”. Para além de uma espécie de comédia romântica às avessas (algo que o título em português tenta reforçar), o filme de Jason Reitman trata de um país (os EUA) em meio a uma crise econômica. Essa crise está no cerne do emprego de Ryan Bingham, personagem de George Clooney, que precisa viajar durante praticamente todo o ano para demitir funcionários de outras empresas. Visto com certo distanciamento, Clooney parece interpretar uma espécie de “homem virtual”: onipresente (pode estar rapidamente em todas as partes do país), infalível (age com a precisão de um relógio quando dentro de um aeroporto), imaterial (parece não possuir nem endereço fixo, nem passado, nem história).

Ao apresentar esse personagem, o filme também assume a linguagem que representa, no cinema, esse desejo de um ideal virtual: cortes rápidos, uma narração em off, velocidade. Tempo e espaço em constante movimento, transformados em coisas que podem ser superadas pelo poder da máquina cinematográfica. Mas esse “homem virtual” tem também suas contradições. Uma delas fica evidente quando seu estilo de vida passa a ser ameaçado pela possibilidade de seu trabalho passar a ser feito online, pela internet. Será que a internet representa a extrema liberdade (a promessa de poder estar em qualquer lugar do mundo em qualquer hora) ou aprisionamento (o internauta termina sempre preso ao mesmo lugar: o teclado de seu computador)?

A resposta a essa pergunta está em números, tabelas, gráficos. Uma ditadura da eficiência, que nem sempre parece conseguir os resultados desejados. Fazendo um exercício de raciocínio, podemos dizer que essa cultura tecnocrata está na base da recente crise econômica norte-americana. Mas o filme não chega a fazer diretamente essa associação, e a jovem tecnocrata que aparece no caminho de Clooney é apresentada como ingênua, mas bem intencionada. Simpática, apesar de inexperiente. Ele servirá de mentor para ela. Em troca, ela tentará ensiná-lo a ter alguma “vida sentimental”. Se existe algo de comédia romântica em Amor sem Escalas, está nessa expectativa de que o personagem deixe de lado suas eventuais aventuras sexuais, seja “fisgado” e coloque uma aliança no dedo (e não deixa de ser irônico que seja George Clooney, talvez quem mais hoje represente a figura do solteirão “bon vivant”, interprete esse personagem.)

A situação é um tanto esquemática: de um lado, a possibilidade do casamento. Do outro, todas as obsessões contemporâneas: viagens intermináveis, cartões de crédito, milhas gratuitas, planos de fidelização... Uma das cenas mais sensuais do filme lida com essas questões ao colocar Clooney e Vera Farmiga em um bar, entre um drinque e outro, brincando um com os cartões (de crédito, de vantagens, de programas de fidelidade) do outro e transformando tudo em um jogo de conquista. Poder de consumo é poder de sedução. E daí surge outra contradição: se o personagem de Clooney tem esse poder (dinheiro e sexo), é porque demite outras pessoas, ou seja, é porque lhes retira o salário, a estabilidade, os planos de vida. Trata-se de uma relação vampiresca. Para sobreviver no trabalho sem imaginar a si mesmo como um monstro, o personagem de Clooney gosta de pensar que, ao invés de estar tirando alguém do emprego, está lhe dando uma “nova oportunidade”. Um raciocínio que certamente poderia entrar para um dicionário de “eufemismos contemporâneos” (da mesma forma, hoje em dia nada mais é “usado”, mas “semi-novo”).



O filme parece inteligente ao fazer um diagnóstico das contradições de seu personagem (e do país em questão), mas é extremamente ingênuo ao apontar soluções. Parece apostar na existência de um mundo em que todas as diferenças podem conviver muito bem, obrigado. Esse mundo é a família. A família, ao invés de entrar como mais uma peça do jogo, torna-se a chave para sua resolução. Amor sem Escalas parece acreditar que não importa o quanto o mundo pareça estar de cabeça para baixo, a resposta para os problemas é um lar bem estruturado. A irmã de Clooney está prestes a se casar. Sem dinheiro para viajar, ela resolve fazer uma montagem de fotos dela mesma em diversos cenários do país. A família se transforma no inverso de Clooney: além de “presos” a um estado (Wisconsin), eles não pensam na vida como um “eterno presente”, em que só vale o momento atual. Pelo contrário, sabem que vão envelhecer e morrer, são obrigados a lidar com o medo de tomar atitudes que tenham consequências indesejadas no futuro. Algo um pouco mais próximo do que se poderia chamar de “uma vida real”, sem glamour. Nesse momento, o título original do filme parece fazer mais sentido. Estar “up in the air” é também estar apartado da vida terrena, diária, aparentemente livre dos problemas comezinhos, das pequenas dúvidas. É viver na montagem rápida do videoclipe sem tentar prestar atenção para quando e onde se está. Estar “up in the air” é a promessa de ser jovem para sempre (novamente, a escolha de Clooney para o papel parece carregada de ironia) – mas é também uma espécie de morte.

Torna-se radical, porém, o choque entre a esperteza e a ingenuidade do filme, entre a frieza com que aponta os problemas e a maneira simplista de esboçar suas soluções. Na cena que resume o filme, George Clooney olha para um mapa dos EUA preenchido com fotos de sua irmã com o noivo. Parece que, nesse país continental, feito de milhares de pessoas, o personagem só consegue ver a si mesmo. Clooney é um personagem tradicional e recorrente: o mentiroso elegante, que vive de contar aos outros uma lorota. O problema é que ele passa a acreditar na própria mentira. Amor sem Escalas tentou se aproximar da situação histórica que serve de pano de fundo para a trama (ou talvez tenha tentado apenas criar um verniz publicitário com sabor de “veracidade”) ao colocar anúncios em várias cidades americanas para que pessoas que tinham sido realmente demitidas gravassem os depoimentos que aparecem no filme. A dúvida que não pode ser respondida é se esses depoentes concordariam com as ideias de Jason Reitman.



Fabio Camarneiro,
jornalista, roteirista, produtor, professor e crítico de cinema da revista online Cinética.

"Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” troca política familiar pela brutalidade", por Rodrigo Salem

Texto escrito por Rodrigo Salem e publicado no Blog da revista GQ Brasil em 13/12/2011:


Quando a Sony anunciou o desejo de filmar a versão americana do fenômeno literário Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, havia uma preocupação em torno dos mais de 60 milhões de leitores da obra: será que os produtores vão amaciar toda a violência descrita e narrada nos livros do sueco Stieg Larsson? A resposta começou a ser dada quando David Fincher, um diretor pouco aberto a intervenções, topou o convite de iniciar a franquia em Hollywood – os suecos já fizeram a trilogia com sucesso.

E a resposta final, nos cinemas, não poderia ser mais brutal.

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, previsto para estrear no Brasil em 27 de janeiro, é feito para incomodar, desde a trilha sonora sufocante de Trent Reznor e Atticus Ross, vencedores do Oscar 2011 por A Rede Social, do mesmo Fincher, até às cenas com anti-heroína Lisbeth Salander. Rooney Mara, totalmente irreconhecível no visual gótico-punk da hacker, tomou o papel para si de tal forma que poucos vão lembrar da pouca experiência da atriz. Ela não hesita nas cenas que exigem nudez frontal e uma entrega violenta em termos físicos. Duvido que alguém consiga tirar os olhos daquela garota magra e cheia de piercings por um segundo.

Fincher usa as sequências do sofrimento de Lisbeth, a personagem feminina mais icônica dos últimos dez anos, para mostrar o terror que uma sociedade perfeita como a sueca pode esconder. E é esse terror que o jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig) procura desenterrar ao topar investigar o desaparecimento de uma garota há cerca de 40 anos a pedido do próprio tio (Christopher Plummer). No seio de uma família rica e repleta de segredos (corporativos e fascistas), dona de uma ilha inteira no interior da Suécia, Mikael não se depara apenas com assassinatos, mas com pessoas de verniz perfeito e interior podre.


O roteiro de Steven Zaillian mostra isso de forma sutil, ao contrário da obra original. Não chega a incomodar, porque é uma ode ao cinema investigativo (o oposto de Fincher emZodíaco) e colabora no ritmo do longa, maior defeito do filme sueco. Contudo, há mudanças estranhas. Enquanto o filme tem uma das cenas de estupro mais pesadas do cinema, ele esquece que Mikael tem um relacionamento aberto com uma colega de trabalho (Robin Wright) casada – o marido sabe do caso e concorda. Além disso, o jornalista, que é condenado à prisão por difamação no início do livro, não vai para a cadeia em nenhum momento – preferiram trocar por uma multa – e não se envolve sexualmente com nenhuma das mulheres da ilha. Puritanismo em um filme sobre mulheres assassinadas brutalmente por serial killers? Em compensação, há mais da vida de Lisbeth Salander, sem precisar forçar a barra na relação da “sociopata” com o pai, que será mais escavada no segundo filme. Troca justíssima.



Rodrigo Salem
jornalista, crítico de cinema e já foi editor da revista SET.


"Um conto chinês ", por Alexandre Carlomagno

Texto escrito por Alexandre Carlomagno e publicado na coluna Na Prateleira do blog Cinemorfose em 08/10/2011:



Assim como o seu protagonista, filme quer passar despercebido

Impassibilidade é a palavra que melhor define Um Conto Chinês, filme argentino estrelado por Ricardo Darín (O Segredo dos Seus Olhos, 2009). Do início ao fim, há uma linha tênue entre o extremo convencional, o meramente aceitável e alguns ápices que não ultrapassam a barreira do medíocre, na acepção correta da palavra. É o típico filme que tem algo a dizer, não que seja algo relevante para ouvir, e, quando tenta gerar reações com suas intenções dramáticas, não causa mais do que cócegas. Aliás, o filme pouco quer causar.

Até mesmo o nome do personagem principal é simples: Roberto. Nada de sobrenomes. Um sujeito cujas únicas companhias são a solidão, o rancor e a frustração – este último, ligado a sua incapacidade de amar Mari (Muriel Santa Ana), uma mulher que declaradamente o ama. Metódico, ele rege sua vida por meio de ações calculadas – antes de o relógio acusar 23h ele já está a postos para apagar a luz; ele conta parafuso por parafuso quando recebe uma encomenda para verificar se não falta algum, “Seja seis ou seis mil, não importa”. Em sua loja, o comodismo preenche todas as prateleiras. O produto está ali apenas. Ser gentil com os clientes? Isso para ele é indiferente.

O cerne do filme está na já desgastada comédia de contrastes: sujeitos de diferentes nacionalidades (argentino e chinês) que são obrigados a conviverem juntos. Um não entende o outro, mas aos poucos, com muitos gestos, eles encontram uma sintonia, uma forma de se comunicarem. Nessa relação, o filme não sabe se quer nos fazer rir, se quer que nós entendamos o que se passa na tela ou apenas prestemos atenção no desenrolar da trama. Há um clima de incertezas que paira sobre o roteiro de Sebastián Borensztein, também o diretor: parece que estamos sempre à mercê de um grande momento, mas este nunca chega. O filme se contenta com o mediano, o medíocre.

Um exemplo claro disso está na direção de Borenztein. Ele inicia a trama com um péssimo plano de abertura, invertido, que atravessa a porta até o protagonista apenas por mero exibicionismo, sem propósito narrativo algum. Não bastasse esse equívoco de invencionice, ele opta por conduzir o restante do longa no automático, como se desse conta da besteira que fez logo no início e tivesse receio de arriscar novamente. Fora que a fotografia, apesar de funcional, é utilizada de maneira nada sutil: quando no mundo do protagonista, tudo é pálido, sem vida, em contraponto ao de Mari, colorido, gritando por meio da estética o caminho que o personagem deve tomar.

Mas Um Conto Chinês é mesmo de Ricardo Darín. O ator argentino, hoje um dos melhores do cinema mundial, segura o longa de ponta a ponta. Fosse outro ator, seria outro filme. Se há algo de humano no personagem Roberto – e há -, em tão isso é mérito de Darín: o seu semblante, a forma como desdenha as pessoas e ao mesmo tempo demonstra vontades contidas quando ao lado da mulher que ama. Há somente um aspecto do roteiro que acrescenta contornos humanos a Roberto: as projeções de seus anseios através das notícias absurdas dos jornais que recorta. Um aspecto muito bem colocado e que funciona perfeitamente.

No mais, a mensagem está ali – não tão singela, mas discreta e orgânica à narrativa o bastante: tudo na vida tem um propósito. Pode até soar em timbres de autoajuda, porém ela está contida em um contexto brando, de total simplicidade. A leveza dita o tom. E este é o propósito de Um Conto Chinês: deixar o espectador impassível diante suas intenções. Assim como o seu protagonista, o filme quer passar despercebido.





Alexandre Carlomagno
jornalista, vídeo documentarista e crítico de cinema de sites como O Capacitor, R7, Inconfidência Ribeirão e do blog Cinemorfose.


"Geração de atores garante futuro do cinema brasileiro", por Ricardo Calil

Texto escrito por Ricardo Calil e publicado no blog Olha Só do portal iG em 11/11/2011:

Algum tempo atrás, Selton Mello deu uma entrevista para o Canal Brasil dizendo algo como: “No futuro, as pessoas vão se dar conta de que o cinema brasileiro do começo dos anos 2000 foi marcado por uma geração de jovens atores”. Não lembro exatamente que nomes ele citou, mas certamente Wagner Moura, Lázaro Ramos, Matheus Nachtergaele, Caio Blat, Daniel de Oliveira e o próprio Selton deveriam estar entre eles.



A frase me voltou à cabeça ao assistir à impecável performance de Lázaro em “Amanhã Nunca Mais”, que chega aos cinemas nesta sexta-feira. Seria apenas a temporã e competente estreia em longa-metragem de Tadeu Jungle, que renovou a linguagem da TV brasileira nos anos 80, mas a interpretação de Lázaro leva o filme a outro patamar. Ele torna crível não apenas seu personagem – um anestesista incapaz de dizer não, vivendo um dia de pesadelo urbano em São Paulo –, mas tudo que ele toca.

Se olharmos para trás, veremos que vários outros filmes brasileiros recentes foram ou salvos da mediocridade ou tiveram um salto de qualidade graças ao trabalho desses atores. O que seria dos dois “Tropas de Elite”, de “VIPs”, de “O Homem do Futuro” sem Wagner Moura? De “Bróder” sem Caio Blat? De “Jean Charles” sem Selton? E assim por diante. Suas atuações são, sem exceção, superiores ao próprio filme. De certa forma, eles são co-autores dessas obras.

No cinema argentino, há um rosto oficial: Ricardo Darín. No brasileiro, há cinco ou seis. Eles deram a cara do cinema brasileiro pós-retomada, mais do qualquer diretor, talvez até mais do que qualquer temática (globochanchada, filme de favela) ou qualquer estética (televisiva, publicitária).

E ainda há uma série de atores e atrizes que pode se juntar a esse grupo quando tiver mais papeis de protagonista – de Irandhir Santos a Cauã Raymond, de Leandra Leal a Hermilla Guedes –, todos muito jovens. Além dos muitos diretores estreantes que chegaram à tela nestes últimos dois anos, essa geração de atores é uma promessa muito concreta de futuro para o cinema brasileiro.




Ricardo Calil
jornalista, documentarista e crítico de cinema da Folha de S. Paulo e do blog Olha Só do portal iG.

"Dose Dupla" por Franthiesco Ballerini

Texto escrito por Franthiesco Ballerini e publicado no site da Revista Valeparaibano em 22/12/2011:

Steven Spielberg aparece nas telas como diretor com muito menos frequência do que os novatos gananciosos por um espaço glorioso em Hollywood. Foi “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”, em 2008, a última aparição nas telas do autor de clássicos como “Tubarão”, “E.T. O Extraterrestre”, “A Lista de Schindler” e “Munique”.

No entanto, neste início de ano, chegam às telas não um, mas dois filmes dirigidos por Spielberg, devidamente separados em suas estreias para não competirem entre si. O primeiro, “Cavalo de Guerra”, chega à telona dia 6. Dois finais de semana depois é a vez de “As Aventuras de TinTin”. Dois filmes completamente distintos assinados pelo mesmo diretor. E vale a pena esta overdose de Spielberg nas férias?
Bem, comecemos com “Cavalo de Guerra”, mais um filme dele ambientado em um conflito mundial, desta vez, na Primeira Guerra, quando um cavalo chamado Joey e seu dono, o garoto Albert, se separam, pois o exército britânico compra forçadamente todos os cavalos do país para usar na batalha. O cavalo se desloca no meio da guerra num lindíssimo cenário rural do Reino Unido, inspirando a vida de todos que o conhecem, até de soldados alemães. Spielberg, que apesar de não saber andar a cavalo, é dono de oito deles, pois sua filha Mikaela, de 15 anos, é campeã de salto e sua esposa, Kate, também uma fera na montaria.


Foi por isso que decidiu adaptar a peça homônima baseada em livro de Michael Morpurgo. Spielberg assistiu ao espetáculo nos intervalos das filmagens de Tintin, em Londres, e ficou encantado. “Me envolveu a alma”, disse durante as filmagens. O filme é o oposto de Tintin, pois praticamente não tem efeitos especiais, tudo filmado no Reino Unido. “Só usamos efeitos especiais em cenas em que achávamos que os cavalos iriam se machucar, mas não vou contar quais são”, comentou o diretor. O espetáculo chegou a Broadway, onde ganhou cinco prêmios Tony pelos efeitos especiais com os cavalos de madeira, bem como o uso de slow-motion.



Se por um lado a história não conta com nenhum grande astro do cinema, exceto Emily Watson, e sua trama –a amizade de um cavalo com um garoto– não é assim um apelo automático para ir ao cinema, por outro lado uma parte dos espectadores e da crítica internacional está considerando este um grande retorno do velho estilo do diretor de contar histórias que envolvam o coração do público, num estilo que lembra uma mistura de “E.T” e “O Resgate do Soldado Ryan”.



Franthiesco Ballerini
jornalista, coordenador e professor da AIC (Academia Internacional de Cinema) e crítico de cinema da revista Valeparaibano e da TV Gazeta.

“Alice de Tim Burton é visualmente deslumbrante", por Mariane Morisawa

Texto escrito por Mariane Morisawa, de Los Angeles, e publicado no site da Marie Claire em 29/03/2010: 


Essa Alice está diferente. A menina que visitou o País das Maravilhas cai no buraco do coelho de novo, mas agora na forma de uma quase adulta, no filme dirigido por Tim Burton que estreia no dia 21 de abril no Brasil.

Marie Claire já assistiu e pode dizer: Alice no País das Maravilhas é lindo. Os cenários estão visualmente deslumbrantes. A maquiagem de Johnny Depp como o Chapeleiro Maluco e de Helena Bonham-Carter como a Rainha de Copas é maravilhosa. Os vestidos da Alice de Mia Wasikowska são lindos – você fica esperando cada crescimento e encolhimento da personagem só para ver que roupa ela vai estar usando.

A jovem atriz australiana, aliás, é uma ótima razão para assistir a Alice. Assim como os já citados Johnny Depp, quase irreconhecível com peruca laranja, maquiagem branca e olhos verdes imensos, e Helena Bonham-Carter, que ficou baixinha e cabeçuda graças aos efeitos visuais.






Ainda assim, a sensação é a de que Tim Burton poderia ter ido mais fundo na amada e subversiva história inventada por Lewis Carroll.


Mariane Morisawa
jornalista e crítica de cinema colaboradora do iG e da revista Preview.


"Elogios para Tropa de Elite 2", por Rubens Ewald Filho

Texto escrito por Rubens Ewald Filho e publicado em seu blog do Portal R7 no dia 28/11/2011:


Fiquei espantado e esperançoso com os elogios que teve o nosso filme para o Oscar deste ano (de filme estrangeiro). Foi Lisa Schwarzbaum no Entertainment Weekly que escreveu texto elogioso dando ao filme quase a cotação máxima A – (o que seria equivalente a nove).

Eis o que disse:

“Um sentimento furioso de revolta do cidadão é que emoldura a ação chocante em Tropa de Elite (Elite Squad: The Enemy Within), quando policiais brasileiros, criminosos e políticos ferram uns aos outros numa luta eterna pelo poder e por grana. Esta continuação tórrida e Mad as hell (algo como enlouquecedora e louca) do premiado filme de 2007 foi dirigida pelo José Padilha, que foi treinado em documentários (Ônibus 174). Marca o retorno do Capitão Nascimento (Wagner Moura), agora o chefe do Corpo de Elite da Policia do Rio, num momento em que a ação da polícia durante briga de quadrilhas numa prisão termina em massacre. Os ativistas de direitos humanos ficam escandalizados pela brutalidade, políticos em ano de eleição tentam seduzir Nascimento. Enquanto a imprensa também está querendo criar barulho assim como os policiais corruptos. O ritmo é rápido, a violência é dura e o estilo visual de documentário enquanto Padilha deixa claro seu ponto de vista: alguém sempre está no bolso de algum outro. O Sistema constantemente se adapta para se proteger. Na America do Sul, Tropa é o filme mais popular de todos os tempos. Por uma boa razão, este filme bomba (usado aqui no melhor sentido) é o indicado ao Oscar pelo Brasil".






Rubens Ewald Filho,
jornalista, historiador, geógrafo, advogado e crítico de cinema do R7.

"Méliès revive em um Scorsese 3D", por Sérgio Rizzo

Texto escrito por Sérgio Rizzo e publicado na coluna Cinema e TV do Yahoo! Brasil em 20/12/2011:


Há filmes para adultos que são decididamente infantis, bem como filmes para crianças que também encantam os adultos. O segundo caso ganha um exemplo impecável com o mais recente longa-metragem de Martin Scorsese, “A Invenção de Hugo Cabret”, que estreou nos Estados Unidos em novembro e tem lançamento no Brasil programado para 17 de fevereiro.


Estrangulado pelas estreias de fim de ano por aqui, que incluem dois filmes dirigidos por Steven Spielberg (“Cavalo de Guerra” e “As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne”) e diversos outros candidatos a indicações para o Oscar, “Hugo” já está em circuito reduzido. Com isso, sua arrecadação nos EUA e Canadá deve bater na casa dos US$ 40 milhões – muito aquém do esperado para uma produção orçada em US$ 170 milhões.

Na sessão em que assisti ao filme, em plena segunda-feira à tarde, o público (cerca de 30 pessoas) traduzia essa carreira modesta. Por outro lado, 80% da sala foi ocupada por adultos (metade deles, ao menos, com mais de 40 anos de idade). E, coisa rara, quase todos aplaudiram ao final – sem falar no velho expediente de limpar disfarçadamente as lágrimas quando as luzes se acendem. Faz sentido: ele atende bem as expectativas de ação das crianças, mas o que atinge para valer é o coração dos marmanjos.

Baseado em livro do norte-americano Brian Selznick (lançado no Brasil pela editora SM), “A Invenção de Hugo Cabret” celebra a memória de um dos grandes pioneiros do cinema, o francês Georges Méliès (1861-1938). Quando os irmãos Lumière apresentaram o cinematógrafo ao público, em 1895, ele ganhava a vida como mágico. Impressionado pelas imagens em movimento, pensou inicialmente em incorporar o aparelho a seus truques. Depois, resolveu fazer filmes, centenas deles, e virou a primeira grande referência da fantasia no cinema.

“Viagem à Lua” (1902), baseado em romance de Julio Verne, é o filme mais popular de Méliès. Há um lugar especial para essa joia no filme de Scorsese, que tem o ator Johnny Depp como um de seus produtores (ele não integra o elenco) e cujo protagonista é um menino órfão, Hugo, interpretado pelo inglês Asa Butterfield (hoje com 14 anos, e que trabalha em teatro, TV e cinema desde os 8). Estamos em Paris, no início dos anos 1930. Hugo se esconde no relógio de uma estação ferroviária, supervisionada por um implicante veterano da I Guerra Mundial (Sacha Baron Cohen, de “Borat”) e por seu cão ameaçador.

Nos corredores comerciais da estação, funciona uma pequena loja de brinquedos administrada por um senhor de ar melancólico (Ben Kingsley, Oscar de melhor ator por “Gandhi”, e que havia trabalhado com Scorsese em “Ilha do Medo”). É Georges Méliès, que se esconde do mundo, amargurado pelo ostracismo. Essa parte da história confere com a realidade: então esquecido, Méliès passou seus últimos anos em um lugar como aquele, apoiado o tempo todo pela mulher, ex-estrela de seus filmes. Guardadas as devidas proporções, seria como encontrar Spielberg ou Francis Coppola, velhinhos, vendendo bonés dos Yankees e dos Knicks na Grand Central Station, em Nova York.

A fantasia entra em campo, no livro de Selznick e no filme de Scorsese (roteirizado por John Logan, de “Gladiador” e “O Aviador”), quando os caminhos de Hugo e de Méliès se encontram. Quem ajuda a aproximá-los é a neta do cineasta (Chloë Grace Moretz, que fez a versão norte-americana do filme de vampiros sueco “Deixe Ela Entrar”), com a mãozinha adicional da senhora Méliès (Helen McCrory). O papel de vilão cabe ao personagem de Cohen, que arrasta o bigode para uma vendedora de flores da estação (Emily Mortimer).

Para aproveitar os recursos do 3D, Scorsese recorre a seus célebres movimentos de câmera. O responsável é um de seus habituais colaboradores, o diretor de fotografia Robert Richardson (Oscar por “JFK – A Pergunta que Não Quer Calar” e “O Aviador”, e que recentemente fez “Bastardos Inglórios” e “Ilha do Medo”). A estação ferroviária se torna um deslumbrante cenário de aventuras, com duas sequências nos trilhos dos trens como a cereja do bolo de ação. E Butterfield encarna Hugo com uma mistura de doçura e peraltice que facilita a identificação com as crianças.

E o público adulto, o que ganha? Além dos ingredientes universais do pacote infantil, uma celebração não só à figura majestosa e adorável de Méliès, que a interpretação de Kingsley recria de modo sedutor, mas a todo o “primeiro cinema”. Scorsese realizou um filme usando tecnologia de ponta para lembrar que o fascínio exercido pelas imagens em movimento está relacionado, desde os primórdios, à sua capacidade de “capturar os sonhos” – algo que não necessariamente tem a ver com tecnologia de ponta, mas com o emprego criativo dos recursos à disposição.

Diversos filmes e astros das primeiras décadas de cinema aparecem em “Hugo”, desde a primeira sessão do cinematógrafo, em Paris, recriada com graça e charme. Ainda que as luzes sejam compreensivelmente lançadas sobre Méliès, o centro das atenções é a ligação mágica que as imagens da tela estabelecem com os espectadores, e o modo afetivo de guardá-las conosco, muitas vezes ao longo de toda a vida, como se pertencessem a nós.

É provável que Scorsese tenha a oportunidade de falar sobre isso nesta terça-feira, na Film Society do Lincoln Center, aqui em Nova York. Ele fará a apresentação de uma sessão comemorativa de “Caminhos Perigosos” (1973), seu terceiro longa de ficção, e que muito contribuiu, com seus “outsiders” novaiorquinos, para consolidar a sua maneira peculiar de representar o mundo. Esse posto de observação inconfundível se manifesta até mesmo em uma aventura de ar romântico como “A Invenção de Hugo Cabret”.




Sérgio Rizzo
jornalista, professor e colunista de cinema do site Yahoo! Brasil.

“Namorados Para Sempre”, com Michelle Williams e Ryan Gosling, retrata os dias negros do final de um relacionamento, por Luciana Borges

Texto escrito por Luciana Borges e publicado no site Colherada Cultural em 10/06/2011:



Quando começa a derrocada de um relacionamento? Quando o “somos tão bons juntos” se transforma em “não sinto mais nada por você”? Em que momento aquela fagulha inicial que une duas pessoas se esvai de tal forma que o carinho dá lugar ao ressentimento? “Namorados Para Sempre”, excelente drama romântico com Michelle Williams e Ryan Gosling (do ótimo "A Garota Ideal"), não fornece nenhuma resposta para estas questões, mas mostra o quanto é doloroso assistir ao esfacelamento de uma relação quando as diferenças se tornam insuportáveis a ponto de atirar o amor porta a fora.

A estreia desta sexta (10) colada ao Dia dos Namorados não é o melhor programa para pombinhos apaixonados. Dirigida pelo pouco conhecido Derek Cianfrance, a história mostra Cindy e Dean, um casal comum do subúrbio que tenta se sustentar e criar a filha Frankie, uma garotinha fofíssima. Ele trabalha como pintor de paredes. Ela como enfermeira. No tempo que passam juntos, Cindy geralmente está reclamando de alguma bagunça da casa ou aparece totalmente cansada de sua jornada de trabalho. Dean faz as vezes do marido legal e brincalhão, que tenta diminuir a distância no casamento convidando-a para uma festinha particular em um motel barato da cidade enquanto a filha visita o avô. O ritmo do filme é lento e a ação se repete enfatizando como pequenos problemas se transformam em grandes motivos para provocar uma briga.

O que torna tudo mais doloroso para o espectador são os flashbacks responsáveis por contar, em meio aos desencontros atuais, como o casal se conheceu. A primeira conversa, a primeira risada, os passeios que faziam juntos, o drama que enfrentaram quando Cindy ficou grávida, o casamento em um cartório local, sem brilho ou festa, mas com os dois esfuziantes de alegria. Esta sequência, inclusive, é entrecortada pela conversa final entre os dois, quando tentam se apegar aos últimos motivos para que nem um, nem o outro, vá embora deixando uma vida toda para trás.

Boas cenas também acontecem quando eles estão no motel absolutamente kitsch, cujo quarto de temática futurista faz a decoração prateada deixar os rostos dos protagonistas de uma cor pálido-azulada. Tudo é triste, os olhares, as frases mal interpretadas, as tentativas desconcertadas de fazer sexo, as cobranças de um para o outro. Bem diferente da fotografia de cor ensolarada que os persegue quando acabam por se conhecer e namorar. 

No entanto, o que fica martelando na cabeça ao subir os créditos finais é uma “frasesinha” dita pelo personagem de Gosling, um sujeito sem muito verniz, mas daqueles bem francos, que filosofa na carroceria de um caminhão de mudanças ao lado dos colegas de trabalho. Para ele, os homens quando finalmente decidem por uma única mulher, fazem essa escolha de forma consciente. Já as mulheres sempre esperam por algo melhor, ainda que já estejam comprometidas. É a eterna busca pelo príncipe encantado, que nunca acaba mesmo quando ele está ao lado. Há algo aí para se pensar, meninas: será que nossa geração é a de insatisfeitas compulsivas?






Luciana Borges,
jornalista e crítica de cinema do site Colherada Cultural.

"Letra e música", por Hélio Nascimento

Texto escrito por Hélio Nascimento e publicado na edição impressa de 16/12/2011 do Jornal do Comércio:

O musical de Eduardo Coutinho tem muitas virtudes. Uma delas é a originalidade. Ainda não tinha sido visto um filme assim, no qual a memória humana dirigida para canções que marcaram uma vida é articulada e exposta de forma a revelar vazios, anseios, sonhos e até remorsos. É óbvio que o cineasta, o realizador de Edifício Master, partiu de uma cena daquela obra: o momento em que um dos personagens homenageia Frank Sinatra. A ideia de colocar diante da câmera pessoas que associam momentos marcantes de suas vidas com determinadas canções, interpretando-as e assim rememorando episódios, funciona como elemento dramático que se expande por toda a narrativa e nunca perde o foco e o ritmo. As canções não é apenas um filme sobre como a letra e a música de uma canção podem estar associadas a uma vida. Não é só disso que o filme trata. Assim como em seus outros trabalhos, Coutinho tenta colocar na tela, através da palavra, dramas vivenciados por personagens reais. Ele é uma espécie de professor ao qual todos os diretores do cinema brasileiro deveriam prestar a máxima atenção. A palavra é o elemento essencial. Sendo assim os filmes de Coutinho trazem inúmeros temas que são exemplos vigorosos de roteiros à espera de um filme. Mas a imagem tem também sua importância. O desfile de tipos humanos diante da câmera povoa a tela de uma humanidade que nunca deveria ter sido substituída por discursos e alegorias.

Inútil discutir se este filme é melhor ou inferior aos outros que o cineasta realizou. Parece mais importante salientar que estas variações sobre uma cena de Edifício Master prolongam uma ideia. O resultado expressa claramente a posição de Coutinho diante do documentário. Este gênero, para ele, deve ser centralizado sobre experiências humanas conservadas vivas na memória dos indivíduos e transmitidas a seus semelhantes pela palavra. Se a música é um fenômeno ligado à emoção, a letra torna explícitos sentimentos os mais diversos. E quando conta com a palavra, como nas óperas, nos oratórios e nas canções, é inegável que ela tem seu público ampliado. Diz o próprio Coutinho que foram descartados depoimentos nos quais os entrevistados exibiam qualquer gênero de conhecimento técnico sobre a música. Interessava ao cineasta somente a memória revivida através das canções interpretadas. A memória, conservada através de música e palavra, era o que interessava ao diretor.

O painel concretizado na tela é expressivo e forma um quadro no qual o tema da perda e da substituição predomina, mesmo que haja uma evidente melancolia, até na forma escolhida pelo realizador para realizar as entrevistas: uma cadeira, uma cortina e a fixação da imagem do cenário vazio. Certamente uma das obras-primas de Noel Rosa parece resumir tudo, ao ser interpretada por um dos entrevistados.Aquela festa de São João, sendo relembrada, numa letra que parece a sucessão de planos cinematográficos, marca o encontro da palavra com o cinema. Não há dúvida de que Coutinho descobriu uma maneira de fazer documentário. E para isso usa de uma habilidade incomum de fazer as pessoas falarem. O indivíduo diante da câmera é o elemento mais importante. Falar para a câmera é falar para o espectador. É comunicar-se com o próximo. O cinema de Coutinho é, assim, a construção de vínculos. Procura estabelecer contatos. Esse cinema não necessita criar personagens. Eles já estão prontos para serem filmados. E se estão presentes no filme que estamos vendo, eles são também exemplos de vida e oportunidades para um cinema que tenha o ser humano como elemento central e ponto de partida. Ao realizar este filme, Coutinho talvez tenha pensado em Alain Resnais, que em On connait la chanson também procurou nas palavras do canto popular mensagens e revelações. Nada de grandiloquência no cinema de Coutinho. Simplicidade e objetividade são elementos que definem uma arte que elege o humano como matéria principal.





Hélio Nascimento,
jornalista e crítico de cinema do Jornal do Comércio.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

"Os 3 apresenta um relacionamento moderno sem pudores", por Fabricio Ataíde

Texto escrito por Fabricio Ataíde e publicado no site Pipoca Moderna em 10/11/2011:



Nos últimos anos, a abordagem do universo adolescente ganhou espaço no cinema nacional. A descoberta do primeiro amor, o envolvimento com drogas, questões existenciais típicas da transição de idade, maturidade precoce e os típicos conflitos familiares foram temas de filmes como “As Melhores Coisas do Mundo” (2010), “Desenrola” (2011), “Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009) e “Antes Que o Mundo Acabe” (2009). Nada mais justo que o cinema dar atenção também à galera de vinte e poucos anos, e para preencher essa lacuna chega aos cinemas “Os 3″, de Nando Olival.

Com um título autoexplicativo, o longa conta a história de um trio de amigos recém-chegados a São Paulo, que, logo após se conhecerem em uma festa, decidem morar juntos. Como era de se esperar, um triângulo amoroso se forma entre os universitários Camila (Juliana Schalch), Cazé (Gabriel Godoy) e Rafael (Victor Mendes), apesar da imposição de uma regra que definiria a longevidade do pacto de amizade que selaram: eles não poderiam se apaixonar uns pelos outros.

Tema constante no cinema, que já gerou clássicos como “Jules e Jim – Uma Mulher para Dois” (1962) e bobagens deliciosas como “Três Formas de Amar” (1994), o relacionamento a três é apresentado aqui com uma roupagem moderna que dialoga sem pudores com o espectador.

Na trama, os estudantes dividem um galpão em uma área industrial da capital paulista, e durante a convivência nos quatro anos de faculdade, conseguem levar adiante (com alguns tropeços) seu plano inicial de amizade sem envolvimento – apesar da aparente paixão que os rapazes nutrem pela moça.

Tudo começa a se complicar quando um projeto de conclusão de curso apresentado por eles chama a atenção de uma rede varejista, que lhes propõe transformar a vida a três que levam em um reality show.

A ideia, sem pretensões, era criar um site que mostrasse a intimidade de pessoas em suas casas realizando tarefas cotidianas. Com isso, o programa seria vitrine de produtos dos mais variados segmentos, que poderiam ser adquiridos pelos internautas.

A escolha de três atores inexperientes contrasta com a equipe experiente por trás das câmeras. O longa de Olival, que estreou como co-diretor do excepcional “Domésticas – O Filme” ao lado de Fernando Meirelles, conta com o talento de Ricardo Della Rosa (de “Casa de Areia” e “À Deriva”) na captura da belíssima fotografia e é montado por Daniel Rezende (“Cidade de Deus”).

“Os 3″ é um filme simples e despretensioso que possui qualidades técnicas primorosas – direção de arte e trilha sonora também são impecáveis – , mas o abuso do “efeito big brother” que dá tom a seus personagens compromete o resultado. Esse retrato contemporâneo das relações amorosas perde força quando se dedica a usar a tecnologia (e a obsessão nacional de “espiar” a vida alheia) como elemento narrativo. Ao fazer uma crítica velada ao consumismo e à exposição da mídia, que transforma indivíduos comuns em celebridades, dilui o teor provocativo que se presumia ser o motor de sua trama.

O cineasta conduz sua história com acertada precisão e demonstra um domínio ímpar na direção do elenco estreante, mas sua veia publicitária (é dele o viral “Eduardo e Monica”, lançado no último dia dos namorados) moderniza demais o rumo de sua história e causa um efeito duplo: se conecta com os jovens e se distancia do público mais maduro.

O longa é sexy, possui diálogos bacanas e bom timing pra comédia – fatores que são intensificados pela naturalidade do entrosamento de seus protagonistas. Mas ainda que repleto de qualificações, deixa no ar a sensação de que algo faltou.

Os 3:




Fabricio Ataíde
crítico de cinema colaborador do site Pipoca Moderna.