sábado, 14 de janeiro de 2012

"Um conto chinês ", por Alexandre Carlomagno

Texto escrito por Alexandre Carlomagno e publicado na coluna Na Prateleira do blog Cinemorfose em 08/10/2011:



Assim como o seu protagonista, filme quer passar despercebido

Impassibilidade é a palavra que melhor define Um Conto Chinês, filme argentino estrelado por Ricardo Darín (O Segredo dos Seus Olhos, 2009). Do início ao fim, há uma linha tênue entre o extremo convencional, o meramente aceitável e alguns ápices que não ultrapassam a barreira do medíocre, na acepção correta da palavra. É o típico filme que tem algo a dizer, não que seja algo relevante para ouvir, e, quando tenta gerar reações com suas intenções dramáticas, não causa mais do que cócegas. Aliás, o filme pouco quer causar.

Até mesmo o nome do personagem principal é simples: Roberto. Nada de sobrenomes. Um sujeito cujas únicas companhias são a solidão, o rancor e a frustração – este último, ligado a sua incapacidade de amar Mari (Muriel Santa Ana), uma mulher que declaradamente o ama. Metódico, ele rege sua vida por meio de ações calculadas – antes de o relógio acusar 23h ele já está a postos para apagar a luz; ele conta parafuso por parafuso quando recebe uma encomenda para verificar se não falta algum, “Seja seis ou seis mil, não importa”. Em sua loja, o comodismo preenche todas as prateleiras. O produto está ali apenas. Ser gentil com os clientes? Isso para ele é indiferente.

O cerne do filme está na já desgastada comédia de contrastes: sujeitos de diferentes nacionalidades (argentino e chinês) que são obrigados a conviverem juntos. Um não entende o outro, mas aos poucos, com muitos gestos, eles encontram uma sintonia, uma forma de se comunicarem. Nessa relação, o filme não sabe se quer nos fazer rir, se quer que nós entendamos o que se passa na tela ou apenas prestemos atenção no desenrolar da trama. Há um clima de incertezas que paira sobre o roteiro de Sebastián Borensztein, também o diretor: parece que estamos sempre à mercê de um grande momento, mas este nunca chega. O filme se contenta com o mediano, o medíocre.

Um exemplo claro disso está na direção de Borenztein. Ele inicia a trama com um péssimo plano de abertura, invertido, que atravessa a porta até o protagonista apenas por mero exibicionismo, sem propósito narrativo algum. Não bastasse esse equívoco de invencionice, ele opta por conduzir o restante do longa no automático, como se desse conta da besteira que fez logo no início e tivesse receio de arriscar novamente. Fora que a fotografia, apesar de funcional, é utilizada de maneira nada sutil: quando no mundo do protagonista, tudo é pálido, sem vida, em contraponto ao de Mari, colorido, gritando por meio da estética o caminho que o personagem deve tomar.

Mas Um Conto Chinês é mesmo de Ricardo Darín. O ator argentino, hoje um dos melhores do cinema mundial, segura o longa de ponta a ponta. Fosse outro ator, seria outro filme. Se há algo de humano no personagem Roberto – e há -, em tão isso é mérito de Darín: o seu semblante, a forma como desdenha as pessoas e ao mesmo tempo demonstra vontades contidas quando ao lado da mulher que ama. Há somente um aspecto do roteiro que acrescenta contornos humanos a Roberto: as projeções de seus anseios através das notícias absurdas dos jornais que recorta. Um aspecto muito bem colocado e que funciona perfeitamente.

No mais, a mensagem está ali – não tão singela, mas discreta e orgânica à narrativa o bastante: tudo na vida tem um propósito. Pode até soar em timbres de autoajuda, porém ela está contida em um contexto brando, de total simplicidade. A leveza dita o tom. E este é o propósito de Um Conto Chinês: deixar o espectador impassível diante suas intenções. Assim como o seu protagonista, o filme quer passar despercebido.





Alexandre Carlomagno
jornalista, vídeo documentarista e crítico de cinema de sites como O Capacitor, R7, Inconfidência Ribeirão e do blog Cinemorfose.


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