sábado, 14 de janeiro de 2012

"Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” troca política familiar pela brutalidade", por Rodrigo Salem

Texto escrito por Rodrigo Salem e publicado no Blog da revista GQ Brasil em 13/12/2011:


Quando a Sony anunciou o desejo de filmar a versão americana do fenômeno literário Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, havia uma preocupação em torno dos mais de 60 milhões de leitores da obra: será que os produtores vão amaciar toda a violência descrita e narrada nos livros do sueco Stieg Larsson? A resposta começou a ser dada quando David Fincher, um diretor pouco aberto a intervenções, topou o convite de iniciar a franquia em Hollywood – os suecos já fizeram a trilogia com sucesso.

E a resposta final, nos cinemas, não poderia ser mais brutal.

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, previsto para estrear no Brasil em 27 de janeiro, é feito para incomodar, desde a trilha sonora sufocante de Trent Reznor e Atticus Ross, vencedores do Oscar 2011 por A Rede Social, do mesmo Fincher, até às cenas com anti-heroína Lisbeth Salander. Rooney Mara, totalmente irreconhecível no visual gótico-punk da hacker, tomou o papel para si de tal forma que poucos vão lembrar da pouca experiência da atriz. Ela não hesita nas cenas que exigem nudez frontal e uma entrega violenta em termos físicos. Duvido que alguém consiga tirar os olhos daquela garota magra e cheia de piercings por um segundo.

Fincher usa as sequências do sofrimento de Lisbeth, a personagem feminina mais icônica dos últimos dez anos, para mostrar o terror que uma sociedade perfeita como a sueca pode esconder. E é esse terror que o jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig) procura desenterrar ao topar investigar o desaparecimento de uma garota há cerca de 40 anos a pedido do próprio tio (Christopher Plummer). No seio de uma família rica e repleta de segredos (corporativos e fascistas), dona de uma ilha inteira no interior da Suécia, Mikael não se depara apenas com assassinatos, mas com pessoas de verniz perfeito e interior podre.


O roteiro de Steven Zaillian mostra isso de forma sutil, ao contrário da obra original. Não chega a incomodar, porque é uma ode ao cinema investigativo (o oposto de Fincher emZodíaco) e colabora no ritmo do longa, maior defeito do filme sueco. Contudo, há mudanças estranhas. Enquanto o filme tem uma das cenas de estupro mais pesadas do cinema, ele esquece que Mikael tem um relacionamento aberto com uma colega de trabalho (Robin Wright) casada – o marido sabe do caso e concorda. Além disso, o jornalista, que é condenado à prisão por difamação no início do livro, não vai para a cadeia em nenhum momento – preferiram trocar por uma multa – e não se envolve sexualmente com nenhuma das mulheres da ilha. Puritanismo em um filme sobre mulheres assassinadas brutalmente por serial killers? Em compensação, há mais da vida de Lisbeth Salander, sem precisar forçar a barra na relação da “sociopata” com o pai, que será mais escavada no segundo filme. Troca justíssima.



Rodrigo Salem
jornalista, crítico de cinema e já foi editor da revista SET.


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