sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"Scott Pilgrim Contra o Mundo", por Alexandre Carlomagno

Texto escrito por Alexandre Carlomagno e publicado na coluna Na Prateleira do blog Cinemorfose em 05/03/2011:


Metáfora sobre a juventude e a busca incessante pelo amor surge sob uma profusão de grafismos apropriada ao nosso tempo.

O diretor Edgar Wright pode não ser dono de uma filmografia, digamos, invejável, ainda mais por ter uma vida tão curta dentro do cinema – este é seu terceiro longa-metragem. Mas seu estilo é muito bem definido desde a primeira sequência de Todo Mundo Quase Morto (2004) até o último quadro deste Scott Pilgrim Contra o Mundo, e isso tanto em termos estilísticos quanto narrativos e temáticos.

Adaptação da história em quadrinhos homônima criada por Bryan Lee O’Malley, o filme conta a história de Scott Pilgrim (Michael Cera, cada vez mais especialista em interpretar jovens nerds): um garoto nos seus 20 e poucos anos de idade, baixista da Sex Bob-Bom (uma banda cuja única fã é a namorada de Pilgrim), que… Bem, não é nada mais se não um garoto atrás de garotas que regurgita seu vasto conhecimento nerd, veste camisetas descoladas e tenta ser bem visto pelos demais. De festa em festa, ele tromba com Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead, cada vez mais especialista em ser linda), uma enigmática entregadora da Amazon.com com cabelos laranja. A atração é súbita, ao menos por parte dele.

Ela, muito mais experiente e madura, reage de forma natural e até mesmo fria diante o visível desespero do rapaz em se aproximar. Contudo, para realmente ficar com Ramona, Pilgrim terá que enfrentar a liga dos sete ex-namorados malignos. Agora, se a premissa em si já não fosse absurda o bastante, a mesma poderia cair no ridículo caso o diretor Edgar Wright não fizesse o que realmente sabe fazer: abraçar o absurdo com uma direção que deixa toda essa “aberração” passível de normalidade. Ou seja, a sua visão sobre a trama consegue ser ainda mais surpreendente, audaciosa e consequentemente mais divertida, peculiar e com um humor sagaz e cínico.

Ao transpor os quadrinhos para as telas, Wright opta por transcender os limites da física e transforma o mundo real em “real” – sim, com aspas. Sua veia cômica faz com que Pilgrim seja arremessado à atmosfera e volte intacto, por exemplo, assim como todos os elementos cenográficos, que se movem num ritmo propositalmente desgarrado do humanamente possível – como os namorados com super-poderes (destaque para o vegan interpretado por Brandon Routh), ou mesmo os personagens que andam num ritmo cartunesco, digno do melhor desenho animado.


No entanto, o “real” existe com aspas porque toda essa profusão de imagens e sons existe enquanto metáfora para o crescimento de Pilgrim, que por sua vez não é nada mais que uma projeção de nós mesmos e uma representação abstrata de sentimentos. É o menino diante uma mulher, e a forma como os relacionamentos, e a maneira como acontecem, evoluem conforme a idade, o amadurecimento. Conforme o próprio título diz: é Scott Pilgrim contra o mundo, não apenas contra os sete ex-namorados. E a partir disso, Wright não poupa o espectador na base das três décadas de existência de uma avalanche de homenagens e citações – desde Zelda, 8 bits, até Seinfeld e mudanças comportamentais enquanto quesito para aceitação social. Afinal, só quem já passou por isso é capaz de realmente captar a essência de Pilgrim.

É verdade que a hiperatividade de Wright algumas vezes atrapalha no processo de absorção do que se vê na tela, como na sequência em que as propriedades de Pilgrim são mostradas – até mesmo quem é fluente em inglês terá dificuldade em compreender todas as informações. No entanto, isso é tão pouco se comparado com o grafismo exarcebado que corrobora para a narrativa (nem mesmo a proporção da tela sai impune das mãos do diretor) que é fácil deixar de lado. Aliás, difícil é não deixar de lado, já que Scott Pilgrim Contra o Mundo é uma diversão ininterrupta extremamente bem elaborada com o propósito de entreter da forma mais tresloucada possível. E funciona muito bem.


Alexandre Carlomagno
jornalista, vídeo documentarista e crítico de cinema de sites como O Capacitor, R7, Inconfidência Ribeirão e do blog Cinemorfose.

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