sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"Jane Campion encontra nas sutilezas O Brilho de uma Paixão", por Fabricio Ataíde

Texto escrito por Fabricio Ataíde e publicado no site Pipoca Moderna em 27/06/2010:


Londres, 1818. Um jovem e ocioso poeta de origem humilde se envolve com uma jovem de classe média, mas o relacionamento entre ambos enfrenta dificuldades de adequação. Ele, pobre e sonhador. Ela, espirituosa e repleta de idéias e atitudes que a colocam à frente do seu tempo. Ele, escritor errante e ligeiramente amargo, em busca de fama e receoso quanto ao futuro. Ela, determinada e completamente convicta de seus ideais. Entre o casal, as convicções sociais e regras rígidas de comportamento, características daquela época bucólica. Orgulho, preconceito, razão, sensibilidade, persuasão…

Não fosse esta uma história baseada em fatos reais, seria fácil confundi-la como uma adaptação dos clássicos literários da escritora romântica Jane Austen. Os elementos que compõem a obra da escritora – diversas vezes adaptadas para o cinema e a TV – estão presentes em “Brilho De Uma Paixão”, belíssima produção de época dirigida por Jane Campion.

Inspirada ou não por sua xará, Jane Campion traz as telas uma história romântica incorrigível. Com base na biografia do poeta John Keats escrita por Andrew Motion, a cineasta criou um roteiro que prioriza a história de amor entre o jovem poeta e sua vizinha Fanny Brawne, tendo como pano de fundo a sua escalada no mundo literário em busca de reconhecimento (que só veio após sua morte).

Para dar maior requinte ao vitral que compôs, ela se esmerou na fotografia, direção de arte e figurinos. As formalidades, o pudor, a elegância e sutileza dos gestos mostram um retrato sofisticado de personagens que passeiam entre a arrogância e a simplicidade, sempre armados de frases rebuscadas.

Ben Whishaw (protagonista de “Perfume – A História de Um Assassino”) interpreta Keats com garra e paixão. Em atuação que se confunde entre explosiva e sutil, o ator domina as cenas a ponto de ofuscar a presença de seu par romântico. Abby Cornish (vista ao lado de Heath Ledger em “Candy”), que dá vida a Fanny, era a grande promessa do filme. Apesar de possuir um brilho especial no olhar, que desvia a atenção do público para sua pouca beleza e conduzir com firmeza sua personagem, a atriz tem desempenho apenas satisfatório.

A química entre o casal, entretanto, é perfeita. Equilibrando sentimentos – apreensão e angústia por parte dele, liberdade e desprendimento do recato por parte dela – o casal demonstra em tela uma perfeita combinação deixando ora implícita ora explícita a profundidade dos sentimentos e o romantismo acelerado a que dão vazão no decorrer da trama.

Se por um lado a poesia de John Keats não é o centro das atenções do roteiro, por outro as imagens se traduzem como tal. Planos abertos que evidenciam o distanciamento dos protagonistas contrapõem-se a planos fechados que prosperam o toque de mãos e lábios revelando sua intimidade.

Em ritmo lento e apoiadas por uma trilha sonora sutil, as cenas que intermediam diálogos são de uma acuidade visual belíssima. Entre campos floridos ou mesmo um quarto fechado repleto de borboletas, percebe-se a intenção da diretora em poetizar o momento.

Contribuição obrigatória para a beleza cênica, os figurinos criados por Janet Petterson (indicada ao Oscar neste ano na categoria) são o grande destaque dos quesitos técnicos do filme. Nada mais justo, visto que a moda é a grande paixão da protagonista. Esta atividade, por sinal, é o ponto de partida das divergências entre o casal – Keats via o hobby como algo fútil. Os processos criativos de ambos, entre letras e tecidos, dá um charme especial ao motor da trama.

Entregue ao público como uma obra explicitamente romântica, com todos os ingredientes necessários – paixões, separações, conflitos, mortes – “Brilho De Uma Paixão” é um filme coerente, que revela o desnudamento emocional de seus personagens como um verso poetizado. Jane Campion, vencedora do Oscar de melhor roteiro original por “O Piano” (seu melhor filme, com 8 indicações ao Oscar em 1994) tem aqui a chance de se redimir do fiasco de seu último longa lançado por aqui, o constrangedor “Em Carne Viva” (2003).

Quem não possui familiaridade com o inglês se sentirá traído em um dos momentos mais belos da história, graças a um deslize lamentável da distribuição nacional: o poema de John Keats que dá título ao filme, “Bright Star”, é declamado no encerramento do longa, mas assim que os créditos começam a subir, a legenda é interrompida. Com isso, boa parte do público terá que se contentar com a beleza das imagens, perdendo a chance de apreciar, também, a beleza dos versos românticos do autor.

Assista ao trailer de Brilho de Uma Paixão:




Fabricio Ataíde
crítico de cinema colaborador do site Pipoca Moderna.

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