sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami, é obra genial que aborda relacionamentos amorosos", por Luciana Borges

Texto escrito por Luciana Borges e publicado no site Colherada Cultural em 23/03/2011:


Pare o que você estiver fazendo, ache espaço na sua agenda e vá assistir à “Cópia Fiel”. O filme mais recente do cineasta iraniano Abbas Kiarostami a estrear nos cinemas brasileiros (entrou em cartaz na última sexta, dia 18) é, de longe, um dos melhores do ano até agora. Justifica o prêmio de melhor atriz levado por Juliette Binoche em Cannes, em 2010, e apresenta ao mundo o talento interpretativo do barítono inglês William Shimell, seu “par romântico” na trama. As aspas, aqui, não são mero acompanhamento. Kiarostami conta uma história de aparências na qual o próprio espectador preenche as lacunas de um tema universal: o relacionamento entre homem e mulher.  

Em uma cidadezinha da Itália, James Miller (Shimell) lança seu mais recente livro sobre o valor das cópias de obras de arte em detrimento dos originais. Na plateia está a francesa Elle (Binoche), com quem James se encontra mais tarde na loja de antiguidades de sua suposta admiradora (um lugar que vende cópias de obras italianas). De lá os dois partem para um passeio sem mais compromissos. Elle aproveita o dia livre do escritor para levá-lo a um lugarejo meia hora distante e lá mostrar um quadro reconhecidamente falso que, por ser uma reprodução perfeita de seu original, ganhou status de obra de arte e é até exibido em um museu.

Até aí o espectador apenas acompanha a câmera passeando pelas belas paisagens italianas e mergulha na química que vai se criando entre os dois personagens graças aos diálogos extremamente bem construídos. A sacada do roteiro se dá quando James e Elle estão em um café e ele sai da mesa para atender ao celular. Enquanto o escritor está fora, a dona do lugar puxa conversa com Elle acreditando que James é marido da francesa. Ela não desmente a confusão e, a partir de então, passa a tratar o homem que teoricamente acabou de conhecer como alguém com quem está casada há 15 anos.

O suposto casal segue sua ronda pela cidade, agora debatendo frustrações de um relacionamento que nunca existiu. Será que eles eram casados de verdade? A realidade da situação é tanta que o espectador passa a ter dúvidas se aquela dupla já não se conhecia, se Elle e James, de fato, já não partilharam um passado juntos e agora tratam de colocar à mesa pequenas e grandes frustrações da vida em comum. No caminho, mais elementos colaboram para essa dualidade entre o que é verdadeiro e o que é falso, como as noivas que buscam em uma escultura dourada em forma de árvore o bom agouro para um matrimônio feliz.

A produção franco-ítalo-belga comandada por um diretor iraniano e estrelada por uma francesa e um inglês deixa claro que língua ou nacionalidade não são limites para entender os sentimentos ligados à relação homem-mulher, bem como para apreciar uma obra de arte, seja ela original ou não. O casal cópia, que não sabemos se é ou não um “casal-original”, discute suas mazelas em três idiomas diferentes. As queixas de cada um, porém, têm sempre o mesmo significado, ainda que em outras palavras.

Em muitos textos sobre “Cópia Fiel” e sobre o trabalho de Abbas Kiarostami nesse filme se questionou se o cineasta estaria dando as costas para a situação política conturbada de seu país. Não é o caso. Acostumado a explorar diferentes formas de comunicação em sua filmografia, conseguiu comprovar a teoria em espiral que se repete a todo momento em “Cópia Fiel”. Se uma obra toca nossos sentimentos mais íntimos já conseguiu realizar sua missão e ter seu valor. Neste caso, é a interpretação inspirada deste casal que nos leva a isso.

Assista ao trailer de Cópia Fiel:





Luciana Borges,
jornalista e crítica de cinema do site Colherada Cultural.

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