sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"A suprema infelicidade de Arnaldo Jabor diante da crítica cinematográfica", por Marcos Petrucelli

Texto escrito por Marcos Petrucelli e publicado no site e-Pipoca em 08/11/2010:

Várias vezes comentei na Rádio CBN, onde desempenho o papel de comentarista com o quadro "Sessão de Cinema", que acho um descalabro a seguinte situação: um crítico de cinema decide virar cineasta, mas continua fazendo crítica de cinema. Porque para mim é absolutamente inconciliável um indivíduo fazer o papel, ao mesmo tempo, de pedra e vidraça. Só que hoje descobri que existe coisa pior. Um cineasta vira jornalista, volta a fazer cinema depois de mais de vinte anos enquanto continua sua atividade de jornalista e usa o veículo em que trabalha não só para fazer propaganda do próprio filme, mas principalmente para atacar a crítica contrária ao seu trabalho.

Pois foi isso o que o cineasta-jornalista-cineasta Arnaldo Jabor fez também na CBN, ao comentar sobre seu próprio filme, "A Suprema Felicidade". Isso é mais do que ridículo. É deselegante e ofensivo. Ainda mais porque ele diz claramente, já ao final de seu comentário: "quem gostar do filme não é burro não. Burros são os críticos."

Coloco-me no lugar de Arnaldo Jabor e fico imaginando o quanto esse senhor está sofrendo. Deve ser terrível essa sensação: de repente, depois de duas décadas detonando personalidades do mundo político e artístico, ele se vê na posição de criticado. É de dar dó. Como é que pode, segundo seu comentário na CBN nesta segunda-feira (8 de novembro), "A Suprema Felicidade" estar sendo aplaudido e a crítica não gostar do filme? Que absurdo é esse? Aliás, diz Jabor, os cinemas que passam seu filme estão cheios; as pessoas estão gostando; e uma pessoa (uma pessoa???) inclusive escreveu dizendo que saiu do cinema lotado de pessoas que aplaudiam emocionadas. Então ele diz que primeiro ficou feliz, mas que estava errado. Decobriu que era um mané...

Sou obrigado a concordar. Aliás, eu concordo sem ser obrigado. Porque numa mistura de ironia e ódio, o Jabor diz que são outros que sabem a verdade. Os outros são os críticos, que são taxativos e cruéis, segundo ele. O Jabor reclama que a Folha de S.Paulo e a Vejinha falaram mal de seu filme. E depois diz que o Globo e o Estadão falaram bem. Pois é, isso é a crítica. Alguns fazem um tipo de análise, outros fazem outro tipo. Uns gostam e outros não. Mas o Jabor não aceita quem não goste. E quem não gosta, para ele, é burro.

Jabor não aceita que seu filme seja rotulado de saudosista infantilóide. Aliás, praticamente tudo que se diga sobre o filme acaba resvalando de alguma forma no próprio autor. "A Suprema Felicidade" é um filme semibiográfico, que tenta mostrar um tempo em que - pelo menos na mente nostálgica do Jabor - tudo parecia mais ingênuo. Mas o Jabor parece que não está aceitando que parte da crítica diga isso. Ele não aceita ouvir que seu filme tem um protagonista ingênuo, raso até, que se desvia de dramas maiores - alcançar a maturidade - para falar do amigo gay, por exemplo. Ok, um adolescente que se descobre homossexual (ainda mais entre os anos de 1940 e 1950) seria um baita conflito, mas Jabor rapidamente abre mão desse arco dramático. Jabor não aceita que se revele que praticamente todos os personagens são unidimensionais e sem qualquer personalidade; personagens, estes, uma perfeita caricatura e histriônicos. Não aceita, enfim, que se diga que seu filme inteiro é histriônico, teatral e jocoso. Sai de baixo se alguém disser, então, que o filme causa a sensação de estarmos diante de uma peça de museu - junta no mesmo saco elementos dos musicais da Atlântida (com as marchinhas de rua), da chanchada e/ou porno-chanchada (nudez e sexo) e do Cinema Novo ("neorrealismo meio operístico do bordel", como definiu o crítico Marcelo Hessel, do site Omelete).

Jabor definitivamente não aceita nenhum desses comentários e pronto. E lança uma questão: ao lembrar que o filme já foi visto por 180 mil pessoas, quer saber se esse monte de gente é um bando de idiotas - como poderia, se eles viram seu filme? Claro que não. São pessoas cheias de boa vontade diante de um cinema nacional em franca ascensão. E foram para testar. Mas será que todas realmente gostaram? Uma olhadela no Twitter do filme (@supremafelicidd) se descobre comentários assim: "me deu sono...", "nem o trailer me agradou", "é um desastre cinematográfico", "deu vergonha", "uma suprema infelicidade". Opiniões!

O fato é que 180 mil espectadores, meu caro Jabor, é "peanuts", como diriam os americanos. Quando nos deparamos com esse número, ele até pode parecer algo impressionante. Mas em termos absolutos ele não quer dizer nada. Aliás, diz sim: que 180 mil espectadores é igual a - mais ou menos - entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões. Custo do filme? De acordo com números divulgados no site da Ancine (Agência Nacional de Cinema), "A Suprema Felicidade" recebeu aprovação das leis de incentivos e autorização para captar um total de R$ 9.634.459,00. Informa a Ancine que o filme captou R$ 7 milhões. Ora, 1 milhão e meio de reais, 2 milhões ou 3 milhões, que fossem, não são iguais a R$ 7 milhões. Ou seja, comercialmente falando "A Suprema Felicidade" vai se mostrando até o momento um retumbante fiasco.

Fracasso ou não de bilheteria, o que mais incomoda é a postura do jornalista Arnaldo Jabor. Acaba se esquecendo do real conceito de liberdade de expressão diante da embriaguez pelo retorno à tarefa de cineasta. E nessa função, além de simplesmente não tolerar ser criticado, ainda considera burros aqueles que o criticam. Lamentável.

ATUALIZAÇÃO:
Como se lê no texto acima, e de acordo com a afirmação feita por Arnaldo Jabor, seu filme "A Suprema Felicidade" teria sido visto por 180 mil pessoas. Não é verdade, como se pode verificar no ranking das bilheterias nacionais agora atualizado. Em sua segunda semana em cartaz no país, o filme soma 173.800 espectadores. Em termos de vendas de ingressos, isso corresponde a uma arrecadação de exatos R$ 1.745.160,00. Uma vez que a produção de "A Suprema Felicidade" teria consumido um orçamento de estimados R$ 7 milhões (valor que fora captado pela produção, segundo consta no site da Ancine), o filme pode ser considerado até aqui um fracasso de bilheterias.



Marcos Petrucelli
jornalista e crítico de cinema do site ePipoca e da rádio CBN.

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