Texto escrito por Rubens Ewald Filho e publicado em seu blog do Portal R7 no dia 30/10/2011:
Em 1999, o diretor e ator Albert Brooks, fez uma comédia cult chamada A Musa ( The Muse), onde ele mesmo fazia um roteirista de Hollywood em crise artística. Segue a dica de um colega que foi inspirado por uma “musa”, como as da mitologia grega: uma mulher que o inspira (mas ao se instalar em sua casa, faz exigências e causa problemas. Pior ainda: fica amiga da mulher dele). É uma brincadeira com uma das tradições mais velhas e apreciadas do cinema, a dos grandes cineastas que sempre tem suas musas, ou atrizes preferidas, através dos quais sabem melhor se expressar. Achei divertido relembrarmos alguns deles (as).
Roger Vadim e Brigitte Bardot
Roger Vadim talvez seja o mais famoso dos Pigmaliões, que não apenas criou estrelas, mas também se casou (ainda que não oficialmente) com quase todas elas. Vadim (1928-2000) era de família russa e se casou com uma jovem bailarina aspirante à atriz Brigitte Bardot, tornando-a mundialmente famosa com E Deus Criou a Mulher (56). Era uma fórmula que se repetiria, mulheres de cabelos longos, lábios sensuais, com frequência nuas. Foi assim depois com Catherine Deneuve (O Vício e a Virtude, com quem teve um filho), a dinamarquesa Annette Stroyberg Vadim (1936-2005, Ligações Amorosas, Rosas de Sangue) e Jane Fonda (em quatro filmes, em especial Barbarella). O notável é que todas ficaram amigas dele até sua morte e se reuniram após o funeral para trocarem impressões.
Josef Von Sternberg e Marlene Dietrich
Mauritz Stiller e Greta Garbo
É curioso e ao mesmo tempo triste. Greta Garbo (1905-90) só se tornou uma lenda do cinema porque a MGM veio a Suécia para contratar o diretor Mauritz Stiller (1883-1928), por quem estavam interessados. Mas este exigiu que levassem junto sua protegida Greta, com quem tinha feito A Saga de Gosta Berling (24). Não eram namorados porque Stiller era homossexual, mas amigos. A Metro não queria, mas acabou aceitando Greta de contrapeso e a ironia foi que Stiller foi dispensado antes de conseguir completar sequer um filme no estudio (foi afastado de The Temptress assinado por Fred Niblo). Filmaria com Pola Negri (Hotel Imperial, The Woman on Trial, ambos de 1927) e Emil Jannings e Fay Wray (Street of sin, 28). Morreu logo depois aos 45 anos. Garbo, embora tenha lamentado muito continuou sua carreira americana e parte de sua fama de difícil veio para se vingar do estúdio que de alguma forma matou seu amigo.
John Ford e Maureen O´Hara
George Cukor e Katharine Hepburn
Uma história um pouco semelhante. George Cukor (1899-1983) era dos mais assumidos gays de Hollywood, amigo íntimo de Katharine Hepburn (1907-2003), que tudo parece indicar também era bissexual. Na verdade, ele era o diretor favorito das estrelas, que podiam contar com seu cuidado e atenção (teria sido por isso que Clark Gable o teria dispensado de E o Vento Levou). Trabalhou pela primeira vez com Kate em sua estreia no cinema em Vítimas do Divórcio, 32, depois em Quatro Irmãs (Little Women, 33), a fez representar um rapazinho em Sylvia Scarlett/Vivendo em Dúvida. Se reencontraram em Núpcias de Escândalo (40), O Fogo Sagrado (já com Spencer Tracy, em 42), A Costela de Adão (49), A Mulher Absoluta (52), Amor entre Ruinas (75), O Milho Está Verde (79). Estes, porém, sempre foram amigos e fieis.
Alfred Hitchcock e Grace Kelly
Federico Fellini e Giulietta Masina
Fellini (1920-93) era apenas um cartunista e aspirante a roteirista, quando conheceu uma atriz do teatro revista porquem se apaixonou: Giulietta Masina (1921-94), com quem se casou em 1943. Ela chegou a fazer pontinha em Paisá, do amigo Rossellini (o marido era um dos roteiristas) e esteve em Sem Piedade (48, de Lattuada). Fellini estrearia no cinema justamente co-dirigindo um filme com Lattuada (que seria o tal meio de Oito e Meio), que foi Mulheres e Luzes (50), onde os dois colocaram as respectivas patroas: Carla del Poggio e Giulietta. No primeiro longa sozinho dele, O Abismo de um Sonho (52). Giulietta fazia uma participação como a prostituta Cabiria, que depois ele expandiria para estrela em Noites de Cabíria (57). Mas a grande chance dos dois foi o sucesso mundial com o premiado com o Oscar A Estrada da Vida (54), em que ela fazia Gesolmina, de olhos de Chaplin. Eles ainda voltariam a se encontrar no autobiográfico Julieta dos Espíritos (65) e depois em Ginger e Fred (86). Apesar das infidelidades do cineasta (mais notadamente com Sandra Milo), a sua morte inesperada foi antecipada pelo câncer que estava matando Giulietta e a levou menos de cinco meses depois.
Vittorio De Sica e Sophia Loren
Uma relação diferente, já que eles não eram casados nem amantes, apenas amigos. De Sica (1901-74) mantinha uma casamento de fachada há muitos anos (com duas atrizes Giudita Rissone e depois Maria Mercader, com quem ficou até a morte) e era um astro famoso no cinema e na canção desde o começo dos anos 30. O problema de De Sica era o jogo e por causa das grandes fortunas que perdia no Cassino estava sempre fazendo filmes fracos para pagar as dividas. Sophia (nascida em 1934 e ainda viva) era desde sempre protegida, amante e depois mulher do produtor Carlo Ponti, que era quem financiava a maior parte dos filmes dela. De Sica e Sophia se conheceram como atores em fitas como Nossos Tempos, O Pecado de ser uma Canalha e Pão, Amor E… De Sica a dirigiu pela primeira vez em Ouro de Nápoles, 54, e logo depois no filme que daria a Sophia um Oscar de melhor atriz (Duas Mulheres, 62). Dali em diante seria normal o reencontro, em geral também com Marcello Mastroianni para completar o triângulo (como em Ontem, Hoje e Amanhã, 63, Matrimônio à Italiana, 64, Os Girassóis da Rússia,70). Houve ainda O Condenado de Altona e Boccacio 70, ambos em 62, e o último Viagem Proibida, 74.
Claude Chabrol e Isabelle Huppert
Chabrol (1930-2000) foi de todos os diretores da Nouvelle Vague, aquele que teve carreira mais prolífica (dirigiu 72 títulos!) e também antes fez dupla com sua então esposa Stephane Audran (com quem realizou filmes memoráveis como As Corças, O Açougueiro, A Mulher Infiel, Amantes Inseparáveis). Ficaram casados entre 1964 e 80 e ironicamente ela é mais lembrada por A Festa de Babette, que nao é de Chabrol. O encontro mais marcante foi com Isabelle Huppert (1953), com quem começou a trabalhar em Violette Noizére (78, inédito aqui) e que por sinal ainda tinha Audran no elenco. Os dois voltaram a se encontrar em Madame Bovary (91), Mulheres Diabólicas (La Ceremonie, 95), Negócios a Parte (Rien ne Va Plus, 97), A Teia de Chocolate (Merci pour le Chocolat, 00) e Comédia do Poder (L´Ivresse du Pouvoir, 2006).
Walter Hugo Khouri e Lilian Lemmertz
O fenômeno da parceria entre diretor e atriz claro que ocorreu também no Brasil, como por exemplo entre Leila Diniz e Domingos de Olivieira (ainda que só em dois filmes, Todas as Mulheres do Mundo e Edu, Coração do Ouro, quando já nem estavam juntos ) ou Paulo Cesar Saraceni e Isabella (Desafio, Capitu). Mas talvez o caso mais notável foi o do diretor paulistano Walter Hugo Khouri (1929-2003) com a gaúcha Lillian Lemmertz (1937- 1986). Ela que é mãe de Julia Lemmertz (o pai é o ator já falecido Lineu Dias), trabalhou muito em teatro com Cacilda Becker e Walmor Chagas. Estreou pelas mãos de Khouri num de seus melhores filmes, Corpo Ardente (66), retornando em As Amorosas (68) e depois As Deusas (72). Seguiram-se O Último Êxtase, 73, O Anjo da Noite, 74, O Desejo, 75, Paixão e Sombras, 77, Eros, o Deus do Amor, 81. Embora Lillian tenha tido papéis principais em filmes de outros (Cordélia, Cordélia, de Rodolfo Nanni, 71 e Aleluia, Gretchen, de Sylvio Back, 76) e feita muito televisão, ninguém como Khouri para captar sua beleza e mistério.
Rubens Ewald Filho,
jornalista, historiador, geógrafo, advogado e crítico de cinema do R7.

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