quinta-feira, 3 de novembro de 2011

"Woody Allen, um romântico", por Sérgio Rizzo

Texto escrito por Sérgio Rizzo e publicado na coluna Cinema e TV do Yahoo! Brasil em 14/06/2011:

Para quem um dia afirmou que jamais filmaria fora de Nova York, Woody Allen andou usando bem o passaporte para trabalhar no exterior durante os últimos sete anos. “Meia-Noite em Paris”, que entrará em cartaz no Brasil na próxima sexta-feira, dia 17, é seu sexto longa-metragem rodado na Europa nesse período, que inclui apenas um filme rodado em Manhattan, “Tudo Pode Dar Certo” (2009).

O “renascimento” de Allen como diretor, a partir de seu apadrinhamento por produtores europeus, ilustra a velha imagem de aproveitar um limão para fazer uma limonada. Nesse caso, o sumo do fruto deu para vários litros, e nada indica que vá se acabar antes da aposentadoria do cineasta. A descoberta de que uma inesperada vertente para a sua carreira passava pelo aeroporto JFK veio depois de “Melinda e Melinda” (2004).

Naquela ocasião, e pela primeira vez em três décadas no cinema, os produtores de Allen se viram incapazes de levantar recursos nos Estados Unidos para o seu longa seguinte. O braço cinematográfico da BBC surgiu então como um parceiro gentil, que se dispôs a viabilizar o projeto, desde que duas exigências básicas fossem cumpridas: que o filme fosse rodado no Reino Unido, e com elenco predominantemente britânico.

Allen tratou de fazer adaptações no roteiro para ambientar a trama em Londres. Desse acordo, saiu “Match Point” (2005), uma habilidosa retomada de temas que já haviam sido trabalhados por “Crimes e Pecados” (1989) e, surpresa para quem considerava o cineasta ultrapassado, uma produção de orçamento relativamente modesto (cerca de US$ 15 milhões) que foi bem nos Estados Unidos (onde arrecadou US$ 23 milhões) e em diversos outros países.

A parceria com a BBC se estendeu a “Scoop” (2006), também rodado em Londres e, até o momento, o último filme de Allen como ator. Ainda na Inglaterra, mas com outra engenharia de produção, ele rodou “O Sonho de Cassandra” (2007). Quando a rejuvenescedora aventura europeia parecia encerrada, a produtora espanhola Mediapro alinhavou um projeto que precisaria ser rodado na Catalunha, com predominância de profissionais espanhois.
Daí nasceu “Vicky Cristina Barcelona” (2008), que reeditou o desempenho comercial de “Match Point” nos Estados Unidos e no mercado internacional. O Brasil foi um capítulo (positivo) à parte: “Vicky” teve quase 500 mil espectadores, contra 100 mil para “Match Point”. Satisfeita com o resultado, a Mediapro ajudou também a bancar “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos” (2010), rodado em Londres, e “Meia-Noite em Paris”.

A próxima empreitada de Allen, também com a participação do poderoso grupo espanhol, é “Bop Decameron”, a ser filmado em Roma (e com o diretor novamente relacionado no elenco, ao lado de Penélope Cruz, Jesse Eisenberg, Ellen Page, Alec Baldwin e Roberto Benigni). O Rio de Janeiro estaria na fila para hospedar um de seus próximos projetos, nas mesmas condições dos filmes de Barcelona, Paris e Roma: pauta livre, desde que as filmagens sejam na cidade, empregando profissionais locais, preferencialmente.

Não se sabe ainda o que vem do filme de Roma, mas o conjunto londrino, o longa catalão e o parisiense foram baseados no mesmo princípio: o de um olhar estrangeiro (norte-americano, claro) sobre as cidades e suas culturas, guardando semelhanças com o universo habitual de Allen — predominância dos elementos da comédia dramática e, no centro das tramas, a insegurança e a dificuldade de estabelecer relacionamentos satisfatórios no mundo contemporâneo.

Simpático para o público internacional, esse formato tem gerado reações naturais nas cidades escolhidas para os filmes. Algumas das mais duras críticas a “Match Point” vieram da Inglaterra e consideraram, em linhas gerais, que a trama falseava um certo cenário social londrino. Na Catalunha, é fácil encontrar quem fale mal do “aspecto turístico” de “Vicky Cristina Barcelona”. E “Meia-Noite em Paris”, assumidamente, opera uma idealização romântica da capital francesa.

Tive a oportunidade de assistir ao filme em Paris, durante uma viagem a trabalho para cobrir a final da Liga dos Campeões em Londres, ao lado de um casal de amigos — ele, brasileiro radicado na Europa há duas décadas, e ela, francesa. Ao final, ele perguntou a ela: “Meu amor, o que você achou de ver a sua cidade no filme?”. Ela: “Qual cidade? Aquela do filme não é Paris”. Pode ser simpática e divertida, argumentou, mas não tem compromisso realista com a metrópole.

Nesse aspecto, não temos novidade: como “Manhattan” exemplifica melhor do que qualquer outro longa, sobretudo pelo uso de preto-e-branco e da música de George Gershwin, Allen quase sempre se dedicou a uma visão romântica (idealizada) de Nova York — o que lhe valeu, entre outras, críticas do cineasta Spike Lee, para quem ele “falseava” Manhattan ao criar tramas em que não havia negros (o que mais tarde, de qualquer forma, passou a ocorrer na obra de Allen).

PS – Se você é um admirador de Woody Allen, confira abaixo a lista que publiquei no Yahoo!, em abril de 2010, com meus dez filmes preferidos do cineasta. Desde então, ela não se modificou. Em ordem cronológica:

- “O Dorminhoco” (Sleeper, 1973)

- “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (Annie Hall, 1977)

- “Manhattan” (idem, 1979)

- “Memórias” (Stardust Memories, 1980)

- “Zelig” (idem, 1983)

- “Hannah e Suas Irmãs” (Hannah and Her Sisters, 1986)
 
- “A Outra” (Another Woman, 1988)

- “Crimes e Pecados” (Crimes and Misdemeanors, 1989)

- “Um Misterioso Assassinato em Manhattan” (Manhattan Murder Mistery, 1993)

- “Desconstruindo Harry” (Deconstructing Harry, 1997)




Sérgio Rizzo
jornalista, professor e colunista de cinema do site Yahoo! Brasil.

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